segunda-feira, 26 de outubro de 2009

[conto] A Lenda de Groto, O Âncora

Groto, o Âncora. Não há quem não se assuste com o termo. Chega a ser engraçado a concepção que fazem da lenda de um marinheiro morto: seria capaz um falecido homem de meia idade carregar uma âncora enferrujada que tem, talvez, o triplo de seu próprio peso? Hum... Por se tratar de uma lenda, tudo é capaz!
Nossos avós contam essa história há mais tempo que o nascimento dos primeiros reis; um causo que transpassa as gerações e ainda amedronta os pescadores, principalmente. Sim, porque são eles que enfrentam o mar todos os dias; eles que retornam à praia com o sustento e diversas histórias prontas para tornarem-nas novas lendas. Mas nenhuma é tão antiga e, ao mesmo tempo, tão contemporânea e incômoda quanto à do marinheiro Ernesto.
Dizem – ninguém está ciente da veracidade dos fatos – que Groto fora um bom homem antes de toda a fama posterior ao seu declínio moral. A traição o sucumbiu ao limbo e de lá o trouxe para uma vingança acéfala, ainda que motivada pela culpa em não ter dedicado tempo suficiente à sua família em construção. Afogou-se antes mesmo do nascimento de seu lindo filho Meroan. Este, por sua vez, fora criado por um pai postiço – Jonnah Timbrado, o melhor amigo, quase irmão, de Groto – que se envolveu com Frency Hou quando ainda era esposa do protagonista desta lenda. Exatamente por este fato, a ira apossou-se do marinheiro, tornando-o possessivo e rancoroso. Elaborou dezenas de planos maliciosos para sabotar o romance secreto dos causadores de seu descontrole emocional, falhando praticamente em todos, até que Timbrado desconfiou da perseguição e inverteu os acontecimentos, convidando seu “amigo” a uma missão nos mares, já que eram, respectivamente, comandante e tenente das embarcações portuárias e da tropa marítima. Plano por plano, seria o ambiente ideal para a finalização de suas depravações: o oceano que um dia os uniu, seria crucial para a separação que viria a seguir – um deles morreria neste dia, e não preciso dizer qual.
Em alto-mar, Jonnah fingiu afogar-se entre as águas azuis, forçando seu ex-amigo a salvá-lo. Ernesto poderia ter assistido a encenação de braços cruzados, mas sua tolice empurrou-o à vastidão anil disfarçada de “honra”. Timbrado, por sua vez, não estava ao mar – fizera um pacto com a Sereia de Sal (fruto de outra lenda que contarei em outra ocasião) – mas seu corpo deslizava sobre as águas com imensa habilidade, ao mesmo tempo, demonstrando um declínio fútil em relação ao afogamento, como se tudo soasse falso demais. Alguns marinheiros participaram da “brincadeira” como coadjuvantes do “susto” que Jonnah dava no amigo, sem perceber que a tragédia era anunciada. Groto retornava ao navio com a sereia nos braços quando o verdadeiro Timbrado fazia despencar sobre o nobre homem toneladas de uma âncora rígida, atingindo o salva-vidas no cocuruto, carregando-o ao fundo do oceano enquanto a sereia era sal puro, em pó, confundindo-se com o líquido aquoso e chacoalhante que era o mar.
A notícia da morte do comandante alastrou-se por todo o continente. Os marinheiros que presenciaram a cena culparam o tenente Timbrado e o mesmo fora julgado pela Suprema Corte como inocente, o que o motivou a fugir de Crown com a belíssima Frency Hou na garupa de seu cavalo branco; esta, por sua vez, ainda grávida.
O tempo passou e o corpo do marinheiro jamais foi encontrado.
Treze anos depois, eis que surge das profundezas do oceano, um imenso homem pálido, musculoso, revestido de musgos e corais, carregando uma gigantesca âncora enferrujada nas costas. Groto! Sim, o famoso Âncora, que voltou do desconhecido para efetivar sua vingança contra aqueles que o traiu. O problema é que, por estar morto, não tinha consciência exata de quem atacava, apenas seguiu um raciocínio demasiadamente básico: suas vítimas tinham entre quarenta e cinquenta anos – homens vividos, daqueles que estão na porta da velhice –, sendo que nenhum sobreviveu para contar a história (outros fizeram por eles).
O primeiro relato da aparição de Groto sucedeu a primeira sequencia de assassinatos – um velho bêbado, descendente de anões, disse jamais ter observado coisa tão agourenta, terrível e vingativa quanto O Âncora. Pudera, o “homem do mar” esmagava suas vítimas isento de qualquer sentimento ou culpa, utilizando a sua principal arma como objeto de destruição – a mesma que tirou-lhe a vida. Moradores da localidade, na época, diziam que Groto atravessava florestas, cidades e pântanos brumosos repetindo a mesma palavra sequencialmente: “Timbrado”. E assim, após finalmente encontrar seu inimigo e sua esposa, esmagou-o e levou a mulher ao mar como símbolo de sua derradeira ruína, quando se afundou abraçado a uma Sereia de Sal. O rastro deixado por Groto fora de treze mortes: doze masculinas, incluindo Jonnah Timbrado, e uma feminina – sua amada Frency Hou.
Meroan, o filho, sobreviveu e cresceu cercado de mistérios. O povo diz que seu pai poupou-o do extermínio apenas para que o terror perpetuasse quando algum herdeiro de seu sangue fosse tomado pelo desejo de traição, independente de qual fosse ela. Alguns homens, provavelmente traidores, perseguiram Meroan e mataram-no, pensando que este ato anularia a maldição d’O Âncora no pior dos erros cometidos por mortais. Na mesma noite, todos os vinte homens foram atacados por uma criatura em plena floresta. Sete sobreviveram, mas cometeram suicídio coletivo em alto mar um dia depois, seduzidos por uma certa sereia...
Até hoje existem descendentes de Groto que vivem às escondidas ou permeiam entre nós com outros nomes, tementes àqueles que ainda acreditam que o fim do ciclo vicioso que se tornou o sumiço de traidores durante os anos termine quando a morte do último herdeiro d’O Âncora seja efetuada. Apesar de tudo não passar de uma lenda, são poucos os que arriscam aderir à traição, por mais sutil e persuasiva que esta seja...

POR RICARDO MICHILIZZI

terça-feira, 13 de outubro de 2009

[conto] Flores no Campo Minado

A guerra deixa cicatrizes permanentes, tanto na História, quanto nas pessoas que a presenciaram cara a cara. Os olhos cerrados diante da explosão surpresa, ou pupilas dilatadas, escondidas sob a testa franzida que impulsiona a raiva do inimigo em comum: humanos como nós. A razão não é aceita, longe de ser verdadeira. Não há razão! Os tiranos a inventam e os dados são jogados ao relento; soldados nus, desmotivados por si, mas motivados por uma causa injusta, maniqueísta – em nome da Pátria!
Pátria esta que receberá a notícia de sua inevitável morte. Lutou por ela; morreu por ela... Quem é essa tal de Pátria? Apenas uma bandeira? Um símbolo? Eu não sei dizer... Não compreendo a sedução que exala esta nação para atrair nossos filhos à frente de batalha. Ainda assim, sobrevivi aos tiroteios, às bombas, aos gritos de socorro, aos olhos fixos no nada.
Pobre família a minha. Viveu na esperança do retorno de seus entes. Apenas um voltou ao lar. Incompleto. Desmembrado. Desalmado. Mutilado. Tão morto quanto seus companheiros que foram obrigados a padecer em meio ao caos de fogo, ao inferno bélico do homem contra si.
Hoje estou aqui, sentado nesta cadeira de rodas. Minha carcaça ainda vive, mas meu espírito partira junto ao batalhão de irmãos que sucumbiram à irresponsabilidade dos soberanos. Observo a imensidão com uma lágrima no olhar profundo, tentando enxergar além do que posso ver. Consigo apenas perceber o colorido da flora fumegante que brotou sobre corpos dilacerados e percebo: até mesmo flores nascem em um campo minado.

POR RICARDO MICHILIZZI

sábado, 10 de outubro de 2009

[conto] O Manual do Suicida



A capa de veludo, preta, continha detalhes em dourado nas bordas e uma camada fina de poeira decorada entre a lisura do logo estampado, sutilizando a morte contida no interior de suas 507 páginas. O nome sugestivo despertava a curiosidade de qualquer indivíduo que, por hora, tocasse os olhos naquele livro velho e surrado: “O Manual do Suicida”.
O interesse foi imediato.
Bastou o destro anelado dispersar parte do pó sobreposto às letras cintilantes e foscas; a exatidão do título era chocante. Um despertar.
A primeira página virada, encardida, vazia. A segunda, o título acima de uma data minúscula e uma anotação indecifrável, apagada, escrita com algum tipo de caneta esferográfica, talvez uma assinatura:
“19/12/1879 – Ahdek Noah Schumrashu”.
Uma nova página e um aviso dinâmico, interrogativo e persuasivo:

“És dono de si? Dono de sua vida?
Comanda teus anseios e desejos?
Respeita a vida alheia como a própria?
Cansara de percorrer o traço doloroso que é a existência?

Conforme positiva forem as respostas,
Eis aqui a receita especial que o tornará livre.
Um manual completo, passo a passo, em que o aprendiz adquire conhecimentos avançados a métodos eficazes de como proceder em sua auto-desistência.
O fim do fracasso.
O fim de um ciclo.
O fim de um laço árduo, repleto de nós desatáveis.
A vida desligada, enfim.”


Proceda por sua determinação.
Seja feita a tua vontade.
POR RICARDO MICHILIZZI

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

[conto] - Dormitório

A porta fechada. Uma fresta na janela permitia a entrada distante de uma luz ausente. A cama postada ao meio, dividindo o quarto minúsculo em dois hemisférios. De um lado uma pequena cômoda, do outro, uma escrivaninha com um computador amarelado, desbotado. Algumas tralhas se faziam presente. Tênis jogados atrás da porta e pôsteres horrendos cobrindo as paredes úmidas. Alguns deles enfeitavam-se em rugas, judiados pela infiltração que formava figuras distintas. No ímpeto da psique humana era de se esperar uma visualização demoníaca a cada olhadela de relance. Ao final, a realidade permitia perceber a verdade discutível: eram apenas paredes manchadas pela ação da natureza ou pela preguiça do homem – que podia ter arrumado a calha externa que inundava a cada temporal.
Um jovem de olhos profundos, deteriorados pela função costumeira de uma jornada de trabalho de doze horas seguidas e a maratonas de horas extras: bocejos e preguiça. Seu objetivo seria apreciar o colchão gasto e o estrado duro que judiava suas costas calejadas. Ao fechar os olhos, pretendia não ver o real mundo que o aguardava com anseio, mas um paradoxo de sonhos que o distanciasse da ilusão do viver.
O travesseiro raso, sujo, não propiciaria uma noite de bom sono, não fosse costume do bom moço, que encostava a sua cabeça comprimida naquele estofado repugnante e ainda suspirava alívios. Sequente ao selar das pálpebras, veio a escuridão com o apagar da lâmpada sobreposta no cubículo-dormitório. Os sonhos?
O pesadelo.
Discernir o paralelo entre a razão e a vertigem é algo incomum. Complexo em sua plena atividade pulsante. O coração vultoso. As têmporas afloradas. A escuridão persistente.
Os olhos não enxergam além da negridão envolvente, impulsionando a pressão sanguínea a engrenar o medo. Os dedos lateralmente agarrados aos cobertores. O suor insistindo em escorrer sobre a face perplexa, ainda que invisível.
A visão do nada à procura de uma brecha luminosa. Não há. A alcova tumular fora um dormitório em eventos antecedentes ao dedo no interruptor, ao fechar dos olhos no prelúdio do sono. O caixão: a cama. Gritar? A garganta seca impedia. Fugir? Não havia portas, janelas. A sensação de solidão era palpável. A companhia era o temor para o qual não se podia pedir ajuda. Fechar os olhos é a certeza de o escuro atormentar quando abri-los; de nada adianta piscar – o escuro, o vácuo da junção de todas as cores, estará lá. O negrito presente às pálpebras cerradas é mais confortável, ainda que a presunção de perdição não tenha desaparecido. O frio desconcertante tornava os arrepios gélidos em suores arranhados, proporcionando a impulsão em disparar-se, mas a jaula de muros, tetos e preto impediam qualquer escape. A cama: o refúgio. Haveria ali um chão sustentável? A dúvida assassinava qualquer esperança frustrada. Como parar de sonhar? Como se mover?
O medo trancafiava os músculos; e a coragem, única chave capaz de abrir as fronteiras entre o receio e a certeza, seria de grande valia. Mas onde encontrá-la quando o cadeado não é compatível? A escuridão ainda permeia naquele quadrado claustrofóbico em suas dimensões mais sinistras.
A força veio da curiosidade superior a qualquer outro descaminho que o levara à ruína. Os dedos afrouxaram entre os cobertores e a respiração, antes arfante, estabilizava-se na ambivalência de suas emoções. O pé esquerdo experimentou o denso ar ambiente enquanto procurava solidez para se apoiar. A espinha trêmula continuava sua epopéia de subidas e descidas pavorosas. A palma encontrou o chão com certa desconfiança. Parecia seguro. O pé direito posicionou-se ao lado, permitindo que o corpo do jovem ficasse ereto diante do mais vazio poço noturno, cor de piche. Um passo cauteloso. Dois passos. O terceiro encontrou o rodapé rente aos dedos miúdos e atrofiados. As mãos à frente apalparam a pintura vertical e resíduos molhados de umidade. O polegar esquerdo passou por entre papéis rasgados. Os pôsteres se desfaziam. O alívio. Estava em seu quarto. Estava acordado?
O joelho esbarrou naquilo que poderia ser a escrivaninha. As mãos puderam determinar o objeto. Realmente o era. A respiração profunda descarregou parte da tensão que o pressionava. O interruptor.
Seria mesmo necessário acender a luz?
A resposta veio com um sussurro incompreensível vindo de algum lado. O elevador de sensações fora intenso. A nuca arrepiou. A espinha contorceu. As pernas fraquejaram. O coração cedeu, disparou.
O interruptor era realmente necessário. Os dedos frenéticos tapeavam-no até que um cisco de luz faiscou: um corpo curvado, anêmico e nu padecia à lateral abaixo da janela, encarando-o com pupilas dilatadas. A umidade era sangue. Os cartazes espalhados se moviam, exaltando criaturas grotescas para fora de seu quadro. Os olhos do jovem viram mais do que podiam em menos de um segundo em que a luz piscou sobre sua cabeça. Grunhidos e gemidos agonizantes. O grito saído de sua própria garganta finalmente encontrou ar fora dos pulmões. O interruptor novamente acionado. A luz repentina tornou tudo mais claro e o quarto de dormir depreciava os mesmos problemas de infiltrações, e um encardido monitor jazia em cima da escrivaninha datada. A respiração e pulsação permaneciam ágeis. Os olhos fixos naquele mesmo canto logo se desviaram para as paredes de figuras bizarras, desta vez intactas e caricatas.
Gritar. Berrar. Espernear. Adjetivos que tornavam o momento menos angustiante. Faziam o jovem ter a falsa sensação de segurança. Extrair o medo, a raiva, a plenas cordas vocais e rasgar com voracidade cada milímetro de papel enrugado exposto que aprimorava o caos ao apagar a luz. O primeiro pôster fora arrancado com tamanha fúria, revelando o restante de alguma palavra formada atrás daqueles cartazes. Rapidamente, o restante arrancado mostrava com evidência a frase que, por mais temerosa e impactante que fosse, não conseguiu proporcionar uma nova sessão de roda-gigante ao estômago do jovem: “Eu vejo você”.
Quem?
Como?
Por quê?
Susto! O relógio despertara o jovem de um pesadelo constrangedor. Quando o devaneio se foi, as dúvidas surgiram. Já eram seis horas da manhã. Atrasado, o trabalho o aguardava sem novidades.
Averiguou com cautela cada uma das infiltrações; os pôsteres. A janela foi aberta com imenso alívio, permitindo a entrada de uma luz estonteante, viva. Aquele fora o último dia dos cartazes às paredes e não havia resquícios de frase alguma atrás deles.
Como é bom estar acordado para viver o pesadelo real e o corre-corre da vida.

Por Ricardo Michilizzi

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Arte Dois - O Assassino Branco

Mais uma arte feita por mim para um futuro livro meu.

Sinopse inventada agora:
"Branco é um vampiro. Ele acordou de um desfalecimento enforcado no meio de uma praça deserta em uma cidade fantasma.
Sem memória, encontra motivações quando vê a foto de uma menina, que estava em seu bolso.
Decidido a protegê-la, como se essa fosse a missão incial, torna cada movimento em posse da garota um martírio.
Perseguidos por uma legião de vampiros insaciáveis e pretenciosos, descobre, aos poucos, que sua missão não era exatamente o que imaginava - ao mesmo tempo, Nancy Hector (a pequena notável) encontra-se no meio de uma batalha fervorosa onde é o principal alvo".

Mais ou menos assim.
Vou elaborar mais a sinopse e, principalmente a história.

See ya!

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Arte Um - BOREAL

Dá um lig no exemplo de uma capa que criei para um futuro livro meu.
Simples e magnífico! hehe

Só não vou revelar a sinopse do romance agora porque não convém. Eu entregaria o ouro...

Por enquanto vou postando as artes que crio. E só.